domingo, 6 de novembro de 2011

um lago com pedras claras.

um lago com pedras claras. brancas cinzentas, poucas pretas. o lago era grande, tão grande que não conseguia ver onde terminava. havia árvores secas e pouco altas à volta. e atrás de mim também. havia um deck de madeira, nem clara nem escura, cor de mel. comprido, longo.


eu, sentia-me alta. tinha finalmente cortado o cabelo pelo meio do meu pescoço. não tinha mais franja, em vez disso o cabelo caia-me para o lado direito do rosto. com a mão direita punha-o atrás da orelha. tinha um vestido florido em tons de azul, de alças largas, justo até à cintura e depois um pouco mais largo, como uma pencil skirt, até antes dos joelhos. caminhava ao longo do deck. imagino-me como naquela música: your legs are two skiny dolphines swiming. tinha uns ténis brancos all star. sentia a irregularidade das pedras por baixo dos meus ténis. o sol não brilhava. não chovia. a luz era um pouco cinzenta. pus os meus óculos de sol, de forma redonda em baixo e direita em cima, com padrão de leopardo cinzento. primeiro em frente aos olhos, depois na cabeça. para me segurarem o cabelo.


depois caminhei até quase ao fim do deck. deitei-me no deck de barriga para baixo com o queixo sobre as mãos. via os peixes vermelhos, dourados, prateados e pretos. depois sentei-me com uma cana comprida que chegava à água. brincava com ela. entre os meus ténis e a água havia mais ou menos 50 centímetros de distância. sentia-me sozinha mas não estava incomodada porque ao mesmo tempo estava segura. a brisa leve, quase como um cliché, como um cliché, soprava-me a pele e o cabelo que agora não se mexia tanto como antes. estranhamente, o vento não me desacomodava, agora, era para mim agradável. como nunca foi. como nunca foi mas já tem sido. contudo, nunca como ali será.


levantei-me e fui até ao extremo do deck. estava só de pé, a ver, a olhar. as árvores. os peixes. os pássaros que voavam longe, na distância do céu cinzento claro. pus as mãos nos bolsos do meu vestido e olhei para o fundo do lago, ali era pouco fundo. se tivesse saltado, a água cobriria as minhas pernas apenas até ao meio das minhas coxas. tirei uma moeda prateada do bolso do meu vestido. como uma moeda de 50 escudos, grande e fina, mas não era. atirei-a com força para que chegasse o mais longe possível. e imaginei-a a cair, onde o lago já era mais fundo. a cair em espiral dentro de água, como se tivesse a ser puxada para o fundo. não sei o que isso significa. se é que existe algum significado nisto. será que me vou lembrar disto quando acontecer?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

querida Casa das Letras

Exmos. Srs.


Escrevo a propósito do livro MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada. Já li vários livros deste autor e desde o primeiro que li tornei-me fã. No entanto, sempre achei a linguagem um pouco estranha, ridícula por vezes, que não conseguia relacionar com o tipo de livro, autor, narrativa ou história. Encontrei expressões como por exemplo “pela parte que me toca” que a tradutora, Exma. Sra. Maria João Lourenço, usa repetida e erradamente ao longo de vários livros deste autor. A tradutora usa expressões portuguesas que só um falante da língua portuguesa poderia empregar, sempre me perguntei quais seriam as palavras em inglês que levariam um tradutor a usar tais expressões.


Assim, procurei um livro em inglês MURAKAMI, Haruki (2007) Blind Willow, Sleeping Woman, Vintage, London e logo entrei num mundo completamente diferente de todos os outros livros que tinha lido, em português, do mesmo autor. Mais sério, mais enigmático e subjectivo, não tão óbvio e saloio como a linguagem das traduções portuguesas. Pensei que, talvez, aquele livro tivesse sido escrito, propositadamente, de outra forma, pensei que tivesse sido intenção do autor atribuir um cunho diferente àquele livro.


Recentemente comecei a ler a Crónica do Pássaro de Corda e voltei a sentir o mesmo. Era um autor completamente diferente do de Blind Willow, Sleping Woman. Foi então que decidi procurar o mesmo livro em Inglês, a tradução oficial de Jay Rubin, e fazer a comparação. Foi assim que descobri que ando a ler um outro livro. Não estou a ler Murakami, estou a ler uma interpretação qualquer que vendem como se tivesse sido escrita por este autor.


Como podem verificar no exemplo a tradutora acrescenta coisas à edição portuguesa que não existem na versão em Inglês (vermelho), altera o nome as personagens (verde), frases simples transformadas numa trapalhada de repetições desnecessárias (cor-de-laranja) :


Kano rang the doorbell at one o’clock on the dot. She looked exactly like her picture: a small woman in her early to mid-twenties, the quiet type. She did a remarkable job of preserving the look of the early sixties. She wore her hair in the bouffant style I had seen in the photograph, the ends curled upward. The hair at the forehead was pulled straight back and held in place by a large, glittering barrette. “ MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-50


“À uma em ponto, Creta Kano tocou à campainha. Era igualzinha à fotografia, sem tirar nem pôr. Pequena estatura entre os vinte e os vinte e cinco anos, com ar calmo. E, o que não deixava de ser extraordinário, arranjada dos pés às cabeça ao mais puro estilo dos anos sessenta. Se tivessem a filmar uma versão japonesa de American Garffiti, nem sequer precisava de mudar de roupa para lhe caber em sorte um papel de figurante. Tal como na fotografia, usava o cabelo ripado que eu vira na fotografia com as pontas viradas para fora, puxado para trás na testa e apanhado por uma bandelete larga e brilhante, igualzinha à da fotografia.” MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.95


A tradução é alterada deliberadamente e sem razão aparente como é possível identificar nos seguintes exemplos. Não entendo a razão pela qual a tradutora asubstitui a seu bel-prazer, o que foi escrito pelo autor, por outra coisa qualquer.


Exemplo:

“Uh-huh.”

“Very pretty,” he said.

MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-49


“- Hum hum.

- São bonitas, as cores.”

MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.93


Exemplo:


“In that case, my younger sister, Kano, will come to visit you at one o’clock.”

“ Kano?” I asked in a flat voice.

MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-49


“ -Nesse caso, será que a minha irmã Creta Cano pode ir ter consigo por volta da uma?

- Creta Kano? - Perguntei numa voz sem expressão.”

MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.94



Faz toda a diferença que esta personagem tenha feito uma imposição em vez de uma pergunta, não entendo a razão pela qual a tradutora alterou o sentido e o tom da conversa. Muito menos percebo por que é que o nome da personagem foi alterado.


Não vou continuar a ler este livro em português, pois arrisco-me a perder mais um livro de Haruki Murakami. Nunca mais vou comprar um livro cujo tradutor seja a Sra. Maria João Lourenço e espero que nunca traduzam livros pelos quais me interesso, pois perdi completamente a confiança na Casa das Letras.


Não sou, tradutora nem especialista no assunto, mas penso que não seria difícil fazer uma tradução mais fiel à dinâmica de Murakami bem como às suas palavras.