quinta-feira, 30 de junho de 2011

querida Casa das Letras

Exmos. Srs.


Escrevo a propósito do livro MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada. Já li vários livros deste autor e desde o primeiro que li tornei-me fã. No entanto, sempre achei a linguagem um pouco estranha, ridícula por vezes, que não conseguia relacionar com o tipo de livro, autor, narrativa ou história. Encontrei expressões como por exemplo “pela parte que me toca” que a tradutora, Exma. Sra. Maria João Lourenço, usa repetida e erradamente ao longo de vários livros deste autor. A tradutora usa expressões portuguesas que só um falante da língua portuguesa poderia empregar, sempre me perguntei quais seriam as palavras em inglês que levariam um tradutor a usar tais expressões.


Assim, procurei um livro em inglês MURAKAMI, Haruki (2007) Blind Willow, Sleeping Woman, Vintage, London e logo entrei num mundo completamente diferente de todos os outros livros que tinha lido, em português, do mesmo autor. Mais sério, mais enigmático e subjectivo, não tão óbvio e saloio como a linguagem das traduções portuguesas. Pensei que, talvez, aquele livro tivesse sido escrito, propositadamente, de outra forma, pensei que tivesse sido intenção do autor atribuir um cunho diferente àquele livro.


Recentemente comecei a ler a Crónica do Pássaro de Corda e voltei a sentir o mesmo. Era um autor completamente diferente do de Blind Willow, Sleping Woman. Foi então que decidi procurar o mesmo livro em Inglês, a tradução oficial de Jay Rubin, e fazer a comparação. Foi assim que descobri que ando a ler um outro livro. Não estou a ler Murakami, estou a ler uma interpretação qualquer que vendem como se tivesse sido escrita por este autor.


Como podem verificar no exemplo a tradutora acrescenta coisas à edição portuguesa que não existem na versão em Inglês (vermelho), altera o nome as personagens (verde), frases simples transformadas numa trapalhada de repetições desnecessárias (cor-de-laranja) :


Kano rang the doorbell at one o’clock on the dot. She looked exactly like her picture: a small woman in her early to mid-twenties, the quiet type. She did a remarkable job of preserving the look of the early sixties. She wore her hair in the bouffant style I had seen in the photograph, the ends curled upward. The hair at the forehead was pulled straight back and held in place by a large, glittering barrette. “ MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-50


“À uma em ponto, Creta Kano tocou à campainha. Era igualzinha à fotografia, sem tirar nem pôr. Pequena estatura entre os vinte e os vinte e cinco anos, com ar calmo. E, o que não deixava de ser extraordinário, arranjada dos pés às cabeça ao mais puro estilo dos anos sessenta. Se tivessem a filmar uma versão japonesa de American Garffiti, nem sequer precisava de mudar de roupa para lhe caber em sorte um papel de figurante. Tal como na fotografia, usava o cabelo ripado que eu vira na fotografia com as pontas viradas para fora, puxado para trás na testa e apanhado por uma bandelete larga e brilhante, igualzinha à da fotografia.” MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.95


A tradução é alterada deliberadamente e sem razão aparente como é possível identificar nos seguintes exemplos. Não entendo a razão pela qual a tradutora asubstitui a seu bel-prazer, o que foi escrito pelo autor, por outra coisa qualquer.


Exemplo:

“Uh-huh.”

“Very pretty,” he said.

MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-49


“- Hum hum.

- São bonitas, as cores.”

MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.93


Exemplo:


“In that case, my younger sister, Kano, will come to visit you at one o’clock.”

“ Kano?” I asked in a flat voice.

MURAKAMI, Haruki, The Wind Up Bird Chronicle Pag-49


“ -Nesse caso, será que a minha irmã Creta Cano pode ir ter consigo por volta da uma?

- Creta Kano? - Perguntei numa voz sem expressão.”

MURAKAMI, Haruki (2006), Crónica do Pássaro de Corda, CASA DAS LETRAS/EDITORIAL NOTÍCIAS, Cruz Quebrada –pag.94



Faz toda a diferença que esta personagem tenha feito uma imposição em vez de uma pergunta, não entendo a razão pela qual a tradutora alterou o sentido e o tom da conversa. Muito menos percebo por que é que o nome da personagem foi alterado.


Não vou continuar a ler este livro em português, pois arrisco-me a perder mais um livro de Haruki Murakami. Nunca mais vou comprar um livro cujo tradutor seja a Sra. Maria João Lourenço e espero que nunca traduzam livros pelos quais me interesso, pois perdi completamente a confiança na Casa das Letras.


Não sou, tradutora nem especialista no assunto, mas penso que não seria difícil fazer uma tradução mais fiel à dinâmica de Murakami bem como às suas palavras.